Carta a um amigo distante

Meu caro amigo, espero que esteja bem. Eu aqui sentado à beira do famoso rio Piracicaba, de onde posso admirar o pequeno bosque do outro lado do rio. Vejo a garça branca que pousa sobre as pedras no leito do rio num preocupante sinal de que que o ria está com a vazante muito baixa.

O nome Piracicaba, é de origem indígena, cujo o significado é “lugar onde o peixe para”, dando a ideia de abundância e fartura. A cidade também é conhecida como a Noiva da Colina, pois está situada sobre três colinas. É uma bela cidade, bonita e muito bem estruturada.

Amigo, devo confessar-te que nestes últimos tempos tenho andado muito triste. Parece que tudo me aborrece. Talvez seja a marca do tempo. Já não encontro prazer em quase nada. A televisão anda cada vez mais chata. As músicas de agora são puramente comercialescas, os compositores populares não se importam mais com a qualidade de nada. Só com o dinheiro. O futebol, como você deve se lembrar era a minha grande paixão, mas veja o que aconteceu com ele. Dirigentes corruptos e mal intencionados acabaram com o nosso futebol e, nossa seleção anda perdendo até para o time da esquina. A violência se espalha pelo mundo tirando a vida de inocentes em nome de Deus. No Brasil as mulheres são vitimadas pelo machismo, violência doméstica e preconceito. Adolescentes negros e pobres estão sendo exterminados numa guerra suja e desenfreada do Estado contra o povo.

Caríssimo, estou tão discrente das coisas, já não suporto mais aqueles homens de gravata italiana, com seus ternos Armani, mentindo descaradamente na televisão, falando sobre política e economia. Não suporto mais ver ignorantes comandando tudo no país. Não aguento mais esta corrupção desenfreada. Chega!

Querido amigo estou à lembrar dos tempos idos da nossa juventude, lembrando dos nossos belo sonho de construir uma sociedade mais justa, da nossa luta pela liberdade, pela melhoria das condições de vida das pessoas, pela emancipação dos trabalhadores. Ah sabe de quem me lembrei também? das nossas imaginárias lutas de esgrima nas quais disputávamos o amor da Bia, a nossa grande e querida amiga, morta pelos facínoras da ditadura.

Lembra amigo daquele partido que se dizia dos trabalhadores? Ainda bem que nós nunca nos enganamos com ele, bem que você me dizia que eles eram mentirosos, enganadores. Olha só o que eles fizeram com o nosso país! Formaram uma grande quadrilha e dilapidaram os cofres da maior empresa estatal do Brasil. É amigo eles traíram o nosso povo!

Bem, mudando um pouco de assunto. Você ainda torce pelo Corinthians? Já nasceu o seu neto? Pois o meu já está a caminho! Sabe aquele Neruda que você me deu de presente quando fiz 30 anos ? ainda tenho ele na estante. Para provocar sua inveja ainda guardo aquele soneto de Camões que ganhei da Bia, também foi no dia do meu aniversário!

Sabe amigo? Eu as vezes sinto uma inveja enorme da Brida - a minha gata-, a Brida sim sabe levar a vida! Não está nem aí com as notícias de economia, Pra ela tanto faz se a inflação sobe ou desce, nem liga para o preço dos combustíveis. Um dia desses ela estava com fome, como eu estava longe de casa, dei à ela a primeira coisa que tinha pra comer; um pedaço da maçã que eu estava comendo, pois ela não comeu! Então me lembrei que gatos não comem maçã. A brida já nasceu sabendo ser gata! Ao contrário de mim ela não se angustia diante da vida. Eu não! Só vivo angustiado diante das tomadas de decisão. Agora mesmo estou numa encruzilhada, preciso tomar uma decisão; não sei se fico no Brasil lutando para que as coisas melhorem ou se vou para as montanhas do Tibet cuidar das coisas do espírito.

Amigo desculpe-me pelo desabafo, não quis te aborrecer com a minha chateação. Despeço-me aqui. Um forte abraço a você, dê um abraço em seus filhos, recomendações à sua esposa e a sua sogra, que Deus abençoe a todos. Você é meu convidado para vir a Piracicaba. Venha conhecer esta bela cidade, que tem um povo bom e acolhedor. Ah ! o almoço será por minha conta, vamos apreciar um delicioso peixe grelhado na rua do Porto.

Saudações de um amigo distante.

Autor Ivam Galvão